Por indicação de uma mestra querida, Esther Frankel – que já
retornou à sua morada de origem, há algum tempo atrás, adquiri o livro com o mesmo
titulo, por tratar-se de um título curioso para mim: “Como pode uma alma ser
imoral?
Bom, o livro ficou ali aguardando o momento certo para
lê-lo, pois haviam outras prioridades a fazer – e para ler também. Mas, eu
sempre dava uma “esticadela” de olhos para o livro e não conseguia iniciar a
leitura.
Eis que tomo conhecimento da “peça”. Fiquei ainda mais
curiosa.
Por obra do “destino”, do “acaso”, ou do momento certo deste
agora, surgiu a oportunidade de ir ao teatro ver o que realmente havia de “imoral”
em uma alma – sem ler o livro. ;)
A atriz, Clarice Nizkier, inicia o seu trabalho relatando
como surgiu a idéia de montar a peça, através de um encontro “casual” com o
rabino Nilton Bonder – autor do livro, em um programa de TV.
No livro, o autor “compara a psicologia evolucionista à
compreensão da natureza humana no texto bíblico. Tomando como exemplo o que
denomina de a traição judaico-cristã, Bonder revela que traído e traidor são
uma mesma pessoa, em que residem duas naturezas conflitantes, mas ao mesmo
tempo interdependentes: o corpo (da conformidade e da adaptação) e a alma (da
rebeldia e da mutação).”
Ela traz - “de cara”, uma poesia e intensidade no relato do
seu encontro com o rabino que me emocionou profundamente. E inicia citando o
poeta e filósofo Sh’lomo Gabirol, que menciona quatro estágios distintos no
reconhecimento da estreiteza de um lugar.
*Transcrevo a seguir, na íntegra, o texto constante do livro
– página 51. Leia com atenção e perceba em que estágio você está.
“Há os que: 1) sabem e sabem que sabem; 2) sabem mas não
sabem que sabem; 3) não sabem e sequer sabem que não sabem e 4) não sabem mas
presumem que sabem.O primeiro está no estágio dos acampados diante do mar.
Espera por sua chance de atravessar. Reconhece o novo “bom” e permanece à
espera de um novo “correto” que melhor se adapte a ele. O segundo deve ser
despertado. O lugar é estreito e ele assim o percebe, mas a possibilidade de
empreender uma caminhada rumo ao futuro lhe escapa. O presente, avalizado pelo
passado, é demasiadamente forte para que se enxergue além. Nessa condição, não
será possível ao corpo se sentir encurralado.... e marchar.
O terceiro não reconhece a estreiteza mesmo quando esta já
se instalou. Necessita com urgência de terapia para dar conta da sensação de
angústia que se origina em não saber o que há de inadequado em sua maneira de
perceber seu corpo.
Já o quarto também não reconhece a estreiteza, apesar de
possuir um discurso que a desafia. A estreiteza, no entanto, é uma figura de
abstração, o que significa que um indivíduo compreenda de fato as diversas
escravidões a que está submetido. Não há dúvida, esta é a situação que oferece
maior dificuldade. A “amplidão” do pensamento teórico desse indivíduo cria a
ilusão de que está à margem do mar. Mas, por nunca ter realmente percebido a
estreiteza, não terá como passar no meio do mar. O seco não se fará disponível
em nenhum momento, pois não existe condição de “marcha” para quem realmente não
se percebe em estreiteza. Nenhum corpo abrirá mão de seus interesses para a
alma sem que esteja profundamente consciente de seu desconforto. Este caso fala
de um novo “correto”, mas não conseguiu formular nenhum novo “bom” para o
mesmo. E um novo “correto” sem um novo “bom” em vista significa aumentar a
confusão e a perplexidade. Mesmo o retorno ao estágio em que se percebia “não
sabendo e sequer sabendo que não sabe” lhe será muito custoso.
Quando o corpo está exposto à estreiteza, e quando está
consciente de que seu desconforto provém dela, surge então a possibilidade de
acampar em frente ao mar. A partir desse lugar de impropriedade e angústia,
olhamos o horizonte. Chegar até ele não mais será um processo do corpo, mas da
alma. Há uma entrega, um despojamento nessa margem, que não só desnuda o corpo
mas também o modifica. Essa metamorfose nos assusta com a possibilidade de
estarmos abrindo mão de nossa integridade e identidade.”
Para quem me conhece, nem preciso dizer o “filme” que passou
em minha mente, com toda a trajetória da minha vida.
Por quanto tempo estive com a mente – ou a alma, entorpecida
nesses estágios?
Hoje, já posso ver o “mar se abrindo”..... Sigo marchando!
Na peça, assim como no livro, são muitas as possibilidades
de reflexão, a cada parábola, a cada história contada.
Tocou-me a alma e fez todo sentido com a “visão” – embora ainda
limitada, do “MAR” e suas possiblidades.
E ainda, na poesia brilhante do rabino Nilton Bonder, reflita:
“Há um olhar que sabe discernir o certo do errado e o errado
do certo.
Há um olhar que enxerga quando a obediência significa
desrespeito e a desobediência representa respeito.
Há um olhar que reconhece os curtos caminhos longos e os
longos caminhos curtos.
Há um olhar que desnuda, que não hesita em afirmar que
existem fidelidades perversas e traições de grande lealdade.
Este olhar é o da alma.”
Fico por aqui, para que possamos refletir sobre o que "SOMOS" e o que “precisamos” reconhecer para "SERMOS".
Toda luz neste agora!
Fátima Pedro
Poá, 24/10/2014